Daniel Knox lançou hoje o seu álbum "Mercado 48". Entrar na música do Daniel é atravessar o equivalente sonoro do filme da nossa vida. Não o filme que gostaríamos que fosse, mas o filme tal como é: sem maquilhagem, sem suavizar arestas, contado com uma honestidade que às vezes dói. Com luz e sombra, mas acima de tudo, com emoção.
O álbum foi gravado na loja Mercado 48 — um espaço que desafia classificações, a meio caminho entre a arte e o que ainda não sabemos nomear, entre o lugar físico e um lugar de amizade. Um sítio improvável para gravar um disco e, precisamente por isso, o melhor sítio para o gravar.
Já conhecíamos dois magníficos singles, "Don’t Fucking Move" e "Alligator", mas é no corpo do disco que tudo ganha outra profundidade. É um álbum que pede para ser ouvido num ambiente mais escuro, porque a luz, às vezes, atrapalha o que sentimos. No tema de abertura, "Worst of All Worlds", mesmo que a luz já esteja baixa, Daniel não se inibe de invadir o nosso espaço, baixando-a ainda mais. Fica apenas a luz suficiente para que vejamos as notas a entrarem-nos pela pele.
Ao longo do disco, sem sairmos do lugar, o nosso espírito começa a vaguear, numa espécie de dança que, erraticamente, se afasta de nós. Nesse movimento, ficamos sem perceber muito bem de onde estamos a olhar o mundo: se de onde estamos, se de onde gostaríamos de estar, ou de onde estivemos.
Quando começamos a perceber para onde vamos, "Scratch the Itch" embala-nos sem pressa. Quando esse movimento estabiliza e começamos a duvidar quanto tempo pode durar uma dança, surgem temas como "Finders Takers", que nos devolvem a sensação de que ainda podemos recuperar as partes de nós que fomos perdendo pelo caminho. Mas, ao chegar a "Guess Not", percebemos que, independentemente de existirem várias formas de contar uma história — e nenhuma delas ser, verdadeiramente, a certa — a perda continua a ser a mesma.
Daniel canta como quem acompanha uma história. Iludimo-nos de que acompanha a nossa, mas só até admitirmos que, muitas vezes, somos os mais estranhos dentro dela. E mesmo não sendo sobre nós, na música, a beleza e o sentido nunca pertencem apenas a quem semeia — pertencem a quem sente.
E é por isso que "Mercado 48" é um disco profundamente humano. Porque não tenta ser perfeito, não tenta esconder nada. Ao mostrar-se assim, cru e verdadeiro, alcança aquilo que poucos discos conseguem: a estranha perfeição de reconhecer a imperfeição que nos acompanha. E, provavelmente por isso, fica tão perto quanto se pode ficar da perfeição.